segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Novas histórias: do fio ao fim

Tessituras da morte nas tramas literárias



“O que seria da vida se não existisse a morte?”, essa é a pergunta que se faz o personagem fictício que consegue o feitio de abolir a morte, em A desintegração da morte, livro de Orígenes Lessa. Virginia Woolf talvez não procurasse uma resposta para essa pergunta [será?]. Ao encher os bolsos do casaco de pedras e se jogar nas águas do Rio Ouse, em 1941, Virginia decide morrer. Deixa ao marido a famosa carta:

“Querido,
Tenho certeza de estar ficando louca novamente. Sinto que não conseguiremos passar por novos tempos difíceis. E não quero revivê-los. Começo a escutar vozes e não consigo me concentrar. Portanto, estou fazendo o que me parece ser o melhor a se fazer.”

Talvez os personagens do livro surrealista de Boris Vian, A espuma dos dias, teriam aceitado a cura para a morte com contentamento. Não seria nenhum spoiler dizer que Chloé, pouco depois de se casar com Colin, descobre a existência de um nenúfar – sim, uma flor de lótus -, em seu pulmão e fenece. Em conversa com o Religioso para os encaminhamentos do velório – num cemitério dentro d’água – Colin duvida mesmo do poder de Deus.


“- Não... - disse Colin. - Posso chegar a cem se o senhor aceitar ser pago em várias vezes. Será que o senhor se dá conta do que é dizer 'A Chloé morreu'?
- O senhor sabe - disse o Religioso, estou acostumado, então isso não faz mais efeito em mim. Eu deveria lhe aconselhar a se dirigir a Deus, mas penso que, com uma soma tão fraca, talvez seja melhor não incomodá-lo.
- Oh! - disse Colin. - Não vou incomodá-lo. Não acredito que ele seja capaz de muita coisa, porque, veja só, a Chloé morreu.”

Virginia entrega seu corpo às águas do rio, assim como Chloé é enterrada em um cemitério dentro d’água. Teria Lettes, o rio do esquecimento, a mesma imagem não negativa ou funesta dos primórdios da mitologia? Talvez.

Noutro ponto, podemos ser levados ao personagem de Dostoiévski tão conhecido de muitos, o Homem do subsolo, o típico pessimista vivendo em seu “buraco”. E já que a deixa permitiu, aqui no Brasil temos um conto bem próximo, “O buraco” de Luiz Vilela. Renunciaram à vida? Talvez. Agarraram-se demasiadamente a ela? Quem sabe...

E para finalizar, porque não a junção de duas obras de lá e de cá do oceano? Intermitências da Morte, de José Saramago, e A desintegração da morte, de Orígenes Lessa, vão quase pelo mesmo percurso que tentamos traçar aqui... fica a epígrafe do primeiro, já que antecipamos  um trecho do segundo:

Pensa por ex. mais na morte, - & seria estranho em verdade
que não tivesse de conhecer por esse facto novas representações, novos âmbitos da linguagem.
Wittgenstem

Que a morte seja algo que só se realiza na linguagem não podemos afirmar. Mas é fato que quando falamos dela, quase sempre falamos daquilo que conhecemos indiretamente. E esta não é a questão ontológica que tanto significado tem tido para as relações atuais entre História e Literatura?

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